“Os reis de toda a terra hão de adorar-vos” (Sl 72,11)

 

Desde criança gostava de acompanhar a “Folia de Santos Reis” para apreciar os palhaços dançarinos com suas máscaras, as músicas e cantorias, as visitas às famílias e o ritual da “bandeira”. Esta devoção bonita aos “santos reis” e os seus dons ao recém-nascido na manjedoura de Belém – periferia do mundo, desperta muitas perguntas e provoca a reflexão (Mt 2,1-13). Mas quem eram os “magos do oriente” que visitaram a Sagrada Família e levaram presentes ao Menino Jesus?

 

O termo magos tem muitos significados. Na cultura persa eles pertenciam à casta sacerdotal. Para os gregos eram dirigentes religiosos e suas ideias recebiam influência dos filósofos. Alguns estudiosos consideram os magos como pessoas sábias, com poderes sobrenaturais e outros talvez eram sedutores e charlatões. No livro dos Atos dos Apóstolos, Paulo menciona um mago de nome Elimas, o qual é considerado uma pessoa falsa, maliciosa… (cf. At 13,10). Desta maneira, percebemos no evangelho de São Mateus um significado positivo onde os magos são pessoas de sabedoria religiosa e filosófica que se colocam a caminho, seguem a luz para buscar a Verdade, e nos Atos dos Apóstolos, temos um sentido negativo conforme a experiência de Paulo com o “filho do diabo”.

 

Um significativo número de biblistas consideram que os “magos do oriente” eram persas. Lembram que na cidade de Babilônia, grande potência da Mesopotâmia no século VI a. C., havia um centro de astronomia científica que no tempo de Jesus estava em declínio, porém ainda ativo. Alguns astrólogos desta região, observaram a conjunção dos planetas Júpiter, Saturno e Marte nos anos 7 e 6 a. C. Por seus cálculos estes magos chegaram a conclusão que a terra de Judá era o lugar onde haveria de nascer o “rei dos judeus.” Havia também a expectativa messiânica que esperava um novo rei do mundo que sairia de Judá.

 

No evangelho de Mateus, o único a narrar este episódio, percebemos que os “magos do oriente”, não eram simples astrônomos, mas pessoas inquietas, esperançosas, sábias e capazes de sair a caminho no seguimento da verdadeira “Estrela”, luz que ilumina e leva ao encontro do Salvador. De certo modo, eles imitam Abraão que deixou a sua terra e partiu acolhendo o chamado de Deus (Gn 12,1ss) e também nos recordam o velho Sócrates, filósofo grego dedicado à busca da verdade. Assim sendo, os “magos” representam o movimento das pessoas na procura da Verdade que é o próprio Cristo.

 

O evangelho não diz o número nem os nomes dos magos que visitaram Jesus. Mateus elabora a narrativa enraizada no Antigo Testamento e cita os dons que eles ofereceram ao Menino: ouro, incenso e mirra. A tradição encarregou-se de apresentar os nomes, a quantidade e alguns outros detalhes identificando a cada dom um personagem.

 

Belchior, o mais velho, viveu 116 anos com cabelos longos e barba branca, ofereceu ouro a Jesus reconhecendo a sua autoridade e realeza – Jesus é Rei. Baltazar era negro, viveu 112 anos e apresentou incenso a Jesus reconhecendo a sua divindade. Este dom também assinala o sacerdócio – Jesus é o Sumo e Eterno Sacerdote (Hb 7,20-28). Gaspar, que segundo a tradição viveu 109 anos, ofereceu a Jesus o perfume de mirra que era usada pelas esposas e indica o amor da comunidade, mas também era utilizado no embalsamento dos corpos o que aponta para a paixão, morte e ressurreição de Jesus. De fato, José de Arimateia e Nicodemos passaram perfume de mirra e aloés no corpo de Jesus antes de sepultá-lo envolto às faixas de linho (cf. Jo 19,39).

 

A visita dos magos ao menino Jesus aparece em um quadro histórico bem definido. Se o evangelista Lucas situou o nascimento de Jesus na época do grande imperador César Augusto (30 a.C a 14 d.C), que ordenou “um recenseamento de toda a terra”, quando “Quirino era governador da Síria” (Lc 2,1-2), Mateus, situa o nascimento de Jesus durante o reinado de Herodes, entre os anos 6 e 4 antes de Cristo. Jesus nasceu na insignificante Belém, o mesmo lugar de nascimento de Davi, o mais novo filho de Jessé, pastor com pequena estatura chamado e ungido para ser rei de Israel (cf. 1Sm 16,7).

 

Os “magos do oriente” chegaram a capital Jerusalém indagando: “onde está o recém-nascido rei dos judeus?” A pergunta perigosa dos magos que “perturbou” toda a cidade de Jerusalém, principalmente o ambicioso e violento rei Herodes, é formulada com uma linguagem típica dos pagãos, pois um judeu, um descendente de Abraão teria dito: “rei de Israel”. Tal expressão aparecerá no processo contra Jesus – “És tu o Rei dos Judeus” – e também escrita na placa que Pilatos mandou colocar sobre a cruz: “O Rei dos Judeus” (Mc 15,2.9.12.26). Realmente no texto vemos vários pontos de contatos entre a visita dos “magos do oriente” e a sua paixão. Fica evidente que a realeza do menino Jesus e a sua paixão caminham juntas. Um outro detalhe que não podemos deixar de observar é o fato dos magos entrarem na casa onde “viram o menino com Maria, sua mãe.” Nesta passagem intriga-nos a ausência de José. Talvez seja uma sutileza do evangelista para assinalar a origem divina de Jesus, Filho de Deus e não de José.

 

Os dons apresentados pelos “magos do oriente”, que representam os três continentes conhecidos na época – Ásia, Europa e África – não atendem as necessidades básicas da Sagrada Família, mas tem um profundo significado teológico. Os magos nos representam. Com eles reconhecemos a realeza do Menino da manjedoura (ouro), sua pessoa humana e divina (incenso e mirra). Eles nos ensinam a sair, a ler e interpretar o céu da história, a buscar a luz da verdade, a fazer o caminho que nos leva ao encontro de Jesus.

 

Com os magos aprendemos a seguir a Estrela, fazer um caminho de busca da luz da verdade que é o próprio Cristo, a ajoelhar, adorar e abrir os cofres – o coração – diante de Deus que vem nos salvar. No final, os magos não retornam a Herodes – que representa o reino deste mundo e seus esquemas de pecado – mas se retiram para a sua terra longínqua, “por outro caminho”. É a mudança de rota dos corações que reconhecem no Menino da manjedoura “o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6). As relíquias dos magos, que junto ao povo preferimos chamá-los de “santos reis”, repousam na catedral de Colônia, Alemanha. Amém.

 

Bibliografia

BENTO XVI, A Infância de Jesus, Princípia, Parede, 2012.

MAIA, G. L., O Jeito de Maria, Uma aproximação à Mãe de Jesus desde a perspectiva da pastoral vocacional e juvenil, Santuário, Aparecida, 2010.

ULRICH, L., Matteo 1, commentario, Paideia, Brescia, 2006.