A palavra Páscoa tem dois significados. Indica a passagem de uma parte para a outra e também significa colocar um obstáculo, no sentido de impedir. Os dois significados se correspondem, pois quando se encontra um obstáculo logo buscamos uma maneira de saltá-lo, passar por cima ou dar a volta para seguir adiante.
O sangue do cordeiro que os hebreus colocaram sobre a porta das casas era um sinal e uma defesa. Este sinal nas vigas da porta impedia a entrada do exterminador e lhe indicava que deveria passar adiante sem fazer nenhum mal à família daquela casa (cf. Ex 12,1-14).
Na perspectiva dos hebreus – Antigo Testamento – a palavra páscoa indica “a passagem salvadora” de Deus para libertar o seu povo da escravidão no Egito. Era a festa da libertação, uma memória para ser celebrada de geração em geração. Neste contexto situa-se os dez mandamentos que Moisés recebeu no monte Sinai para indicar o caminho que povo deveria fazer para permanecer livre de todo tipo de escravidão.
O rito da páscoa dos hebreus
O rito da festa da páscoa descrito pelo livro do Êxodo apresenta uma ceia à base de três alimentos: o cordeiro, os pães ázimos e ervas amargas (cf. Ex 12,8). Cada um destes alimentos tem um significado particular:
- O cordeiro com seu sangue torna-se sinal de resgate e libertação enquanto que a sua carne alimentará e sustentará o povo hebreu na caminhada rumo à liberdade, a terra prometida.
- O pão sem fermento assinala a pressa dos preparativos para a saída quando não havia tempo para esperar a fermentação da massa. Os pães ázimos indicam também a aflição e a pobreza do povo de Deus na “casa da escravidão” (cf. Dt 16,3).
- As ervas amargas indicavam a amargura do exílio e da escravidão.
A celebração da páscoa adquiriu sucessivamente também um significado de sacrifício que não havia na origem. O sacrifício do cordeiro no templo e a aspersão do seu sangue no altar, recordava o sofrimento do povo no Egito, o sangue colocado sobre as portas das casas poupadas pelo exterminador do Senhor. Aquele sangue havia resgatado os hebreus e lembrava o sentido expiatório do cordeiro imolado. O próprio Jesus será chamado de “Cordeiro de Deus”, sacrificado na cruz exatamente na mesma hora em que os cordeiros eram oferecidos no templo (cf. Jo 1,29.36; Ap 5,6-14).
A Páscoa cristã
A Páscoa cristã é inserida na tradição e no horizonte da páscoa dos hebreus. O evangelho de Marcos, escrito por volta dos anos 70 d.C., apresenta alguns elementos essenciais a começar pela atmosfera de segredo do lugar da ceia (cf. Mc 14,12-25). Jesus celebra a páscoa com seus amigos mais próximos, os doze apóstolos, em clima de intimidade. A páscoa iniciava com a lavagem das mãos dos comensais. Jesus modificou o rito chamando seu discípulos a lavarem os pés. Este trabalho que era feito pelos escravos, foi realizado pelo Mestre que dá um claro exemplo de humildade e serviço (cf. Jo 13,15). O lava-pés, mais que um gesto de purificação e serviço humilde, sinaliza para a entrega total de Jesus, o Verbo que está à disposição da humanidade para servi-la. Jesus é o servo que lava os pés da humanidade e na cruz, como “servo sofredor”, se entrega para a salvação do mundo (cf. Is 40-55). Normalmente, o lava-pés, gesto que dispensa palavras e fala por si mesmo, era feito antes de começar a ceia. Mas, a atitude de Jesus revela um Deus servidor, que interrompe a ceia para lavar os pés dos discípulos. Desta maneira, o Mestre quer «incomodar» e nos revelar Deus como o servo da humanidade. Ele é servo não apenas porque lava os pés dos discípulos, mas porque dá a vida na cruz para salvar o mundo.
A partir dos evangelhos que brotaram no chão das comunidades cristãs, testemunhas da morte e ressurreição do Senhor, percebe-se uma clara “releitura” da festa da páscoa. Militão, bispo de Sardes e mártir (+ 190), escreveu: “A Lei tornou-se Verbo, o velho tornou-se novo… o cordeiro tornou-se o Filho” (homilia sobre a páscoa, 7).
As comunidades cristãs, ainda nos seus primórdios, mudou o sentido da antiga pascoa que tornou-se uma celebração fundamental da Igreja. Se na páscoa dos hebreus, memória da ação libertadora de Deus a favor de seu povo, o chefe de família partilhava o pão ázimo iniciando a celebração, Jesus pegou o pão, abençoou e distribuiu aos seus discípulos dizendo: “Tomai, isto é o meu corpo… Este é o meu sangue da nova Aliança…” (Mc 12,22-25). Estas palavras carregadas de mistério possuem uma forte tonalidade de sacrifício. Aquele pão ázimo é o corpo de Jesus imolado na cruz para a salvação do mundo.
Na cruz Jesus é o cordeiro sacrificado que tira o pecado do mundo. Os evangelhos sinóticos falam do corpo e sangue oferecidos, mas no quarto Evangelho João Batista reconhece e testemunha que Jesus é o “Cordeiro de Deus”. Se na ceia o pão ázimo era a sua carne imolada por todos, e o sangue mediante o vinho assinalava a nova Aliança, no evangelho de João o Filho de Deus é sacrificado qual Cordeiro inocente. Sua Páscoa é a cruz e ressurreição conforme o próprio Jesus já havia profetizado: “Tenho desejado ardentemente comer convosco esta ceia pascal, antes da hora do meu sofrimento! Pois vos afirmo que não a comerei novamente até que ela se cumpra no Reino de Deus” (Lc 22,16).
O banquete da Páscoa continua porque o próprio Jesus recomendou durante a última ceia: “Fazei isto em memória de mim” (Lc 22,19). E na comunidade de Corinto, por volta do ano 52, já celebrava a ceia como memorial da Páscoa de Jesus: “De fato, eu recebi do Senhor o que também vos transmiti: que o Senhor Jesus, na noite em que ia ser entregue, tomou o pão e, depois de dar graças, o partiu e disse: “Isto é o meu corpo entregue por vós. Fazei isso em memória de mim. Do mesmo modo, depois da ceia, tomou também o cálice, dizendo: Este cálice é a nova aliança no meu sangue. Todas as vezes que dele beberdes, fazei-o em memória de mim…” (1Cor 11,23-26). O testemunho e á fé das primeiras comunidades atravessaram os séculos e seguimos celebrando a Páscoa do Senhor. Cada celebração eucarística é memorial da paixão, morte e ressurreição de Jesus. É nossa Páscoa.
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