O PRÓLOGO DO QUARTO EVANGELHO – HINO À PALAVRA
P. Gilson Luiz Maia, RCI[1]
De tradição independente e com um estilo notavelmente diferente dos Sinóticos – Mateus, Marcos e Lucas – o quarto evangelho, também conhecido, conforme a tradição, como evangelho de João, apóstolo de Jesus, filho de Zebedeu e irmão de Tiago, o Maior, começa com um belo poema que sintetiza os principais temas da obra (cf. Jo 1,1-18).[2] O Prólogo reflete, de modo global, a vocação-missão de Jesus Cristo que nos revela o Pai e é eterno como Deus. Assumindo a natureza humana, Jesus trás ao mundo a vida e a luz, a graça e a verdade.
Com alta densidade teológica e refinada veia poética, o autor, seguindo o modelo dos poemas sapiências do Antigo Testamento, afirma de modo direto que Jesus Cristo é o Lógos divino.[3] Ele é a Palavra reveladora e definitiva de Deus.
O Prólogo começa com a mesma expressão com a qual inicia a Bíblia: No princípio (Gn 1,1). Ele não apresenta um movimento linear, mas circular e ascendente que pode ser considerado em três partes paralelas:
I Parte: A vida do Lógos em Deus e sua relação com a humanidade (v. 1-5)
A primeira frase indica a preexistência, a relação e a divindade do Lógos (v. 1) que vem recapitulada no versículo seguinte (v. 2). Em seguida, o autor assinala a criação e a história (v. 3) e segue com a afirmação que por meio Dele a vida de Deus nos foi comunicada (v. 4). A luz, que indica a revelação divina, alcança toda a humanidade. De outra parte, o evangelista contrapõe a luz às trevas, isto é, o mundo perverso e anti Jesus (v. 5). Esta primeira parte termina com a certeza na vitória final da Palavra.
1 No princípio, era a Palavra, e a Palavra estava junto de Deus, e a Palavra era Deus. 2 Ela estava, no princípio, junto de Deus. 3 Tudo foi feito por meio dela, e sem ela nada foi feito de tudo o que existe. 4 Nela estava a vida, e a vida era a luz dos homens. 5 E a luz brilha nas trevas, e as trevas não conseguiram dominá-la.
II Parte: A Palavra se fez carne. Ela é a tenda de Deus (v. 6-14)
Se a primeira parte do Prólogo é apresentada de modo vertical e temos uma atmosfera apocalíptica, esta segunda parte é horizontal e histórica. Após evocar o ministério do profeta João Batista (v. 6-8), homem de Deus e testemunha do início da revelação do Messias a Israel, o evangelista diz com todas as letras que Jesus é o revelador do Pai, a verdade, a luz que ilumina a todos.
O Lógos é a luz verdadeira, artífice da criação na qual Deus se revela. Convém observar que a palavra Mundo ganha diferentes significados. O termo indica a criação, ora o gênero humano ou ainda a realidade mundana e pecaminosa que não reconhece a Palavra (v. 9-10). Parte de Israel não acolheu Jesus, mas muitos receberam o Lógos e confiaram Nele (v. 12-13). A segunda parte termina com a solene afirmação: A Palavra se fez carne e armou a sua tenda no meio de nós – discípulos e testemunhas (v. 14). Ele se fez homem sem deixar de ser Deus. É nossa tenda, casa dos peregrinos a caminho de Deus.
6 Veio um homem, enviado por Deus; seu nome era João. 7 Ele veio como testemunha, a fim de dar testemunho da luz, para que todos pudessem crer, por meio dele. 8 Ele não era a luz, mas veio para dar testemunho da luz. 9 Esta era a luz verdadeira, que vindo ao mundo a todos ilumina. 10 Ela estava no mundo, e o mundo foi feito por meio dela, mas o mundo não a reconheceu. 11 Ela veio para o que era seu, mas os seus não a acolheram. 12 A quantos, porém, a acolheram, deu-lhes poder de se tornarem filhos de Deus: são os que crêem no seu nome. 13 Estes foram gerados não do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus. 14 E a Palavra se fez carne e armou a sua tenda entre nós. Nós vimos a sua glória, glória que recebe do seu Pai como filho Unigênito, pleno de graça e verdade.
III Parte: Da Torá – Palavra de Deus – à pessoa de Jesus, o Lógos do Pai (v. 15-18)
A última parte do Prólogo começa mencionando novamente o profeta que apontou para o Cordeiro de Deus (cf. Jo 1,36). O autor reconhece a revelação a Moisés, mas enfatiza que Cristo a integra e completa. Temos o binômio Graça – Verdade, que supera o dom da antiga lei, pois a Torá é amplamente suplantada com a plenitude da revelação, a Verdade que é Jesus Cristo. Nota-se a passagem e a síntese da história da salvação assinalada em duas pessoas concretas: Moisés e Jesus, que revela o Pai do qual é íntimo.
15 João dá testemunho dele e proclama: “Foi dele que eu disse: ‘Aquele que vem depois de mim passou à minha frente, porque antes de mim ele já existia’”. 16 De sua plenitude todos nós recebemos, graça por graça. 17 Pois a Lei foi dada por meio de Moisés, a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo. 18 Ninguém jamais viu a Deus; o Filho único, que é Deus e está na intimidade do Pai, foi quem o deu a conhecer.
É tempo de escancarar o coração, escutar e acolher a Palavra; testemunhar e apontar para Jesus, Verbo eterno de Deus, que armou a sua tenda no meio de nós. Ele, o Filho Unigênito, nos revela o Pai. Nele a Vida, a Luz, a Graça e a Verdade. Amém.
[1] O autor é sacerdote Rogacionista, natural de Passos/MG. Formado em Teologia Bíblica pela Universidade Gregoriana, Roma, foi assessor da CNBB e secretário do Celam. Atualmente é membro do Governo geral e procurador de sua Congregação. Pe. Gilson tem vários livros publicados com as Paulinas.
[2] Neste mês de dezembro vamos meditar o Prólogo nas celebrações dos dias 25 e 31.
[3] Lógos, termo grego que indica a Palavra, o Verbo que se fez carne: uma pessoa: Jesus Cristo. Em hebraico temos o substantivo Dabar que assinala a ação criativa, a Palavra Criadora – Deus fala e mediante a sua Palavra tudo ganha existência.
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