As narrativas da paixão, morte e ressurreição de Jesus variam de evangelho para evangelho. Cada evangelista trás a sua visão teológica o que torna praticamente impossível uma “concordância” das últimas palavras ou frases pronunciadas por Jesus Cristo no final de sua vida terrena e quais foram ditas após a ressurreição. Nota-se ainda que os relatos dos evangelistas atendem objetivos catequéticos e apologéticos da fé. Tradicionalmente conhecemos as sete palavras de Jesus na cruz, embora a ordem delas seja arbitrária. Historicamente não sabemos se o Cristo ressuscitado falou e como foi a sua comunicação com os seus discípulos e discípulas. Podemos indagar se o Ressuscitado realmente precisava de palavras para ser compreendido ou se suas falas penetravam e facilmente vinham compreendidas dispensando esclarecimentos e incertezas. Talvez quando os discípulos viram o Cristo ressuscitado diante deles compreenderam tudo. Mas ainda assim foi preciso de tempo para articular, refletir, amadurecer… Pentecostes (cf. Lc 24,45; At 2,1-13).

 

O Documento do Concílio Vaticano II sobre a Divina Revelação, Dei Verbum, afirma que Deus continua, também em nossos dias, falando a seu povo. Como outrora aos discípulos e discípulas o Cristo ressuscitado nos fala. Nesta breve reflexão nos limitamos a apresentar as palavras do Ressuscitado conforme aparecem nos evangelhos sinóticos. O quarto Evangelho de tradição independente merece uma reflexão à parte.

 

Mateus

As três primeiras citações referem-se às palavras de Jesus ressuscitado dirigidas a Maria Madalena e a outra Maria em Jerusalém. As demais são dirigidas aos Onze na Galileia onde tudo começou: “Vem e segue-me” (4,18-22).

  1. “Alegrai-vos” (28,9).
  2. “Não tenhais medo” (28,10a).
  3. “Ide anunciar a meus irmãos que se dirijam à Galileia. Lá me verão” (28,10b).
  4. “Foi-me dada toda autoridade no céu e na terra” (28,18b).
  5. “Ide, pois, e fazei discípulos todos os povos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-os a observar tudo o que vos mandei” (28,19-20a).
  6. “Eis que estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos” (28,20b).

 

Marcos

O evangelho de Marcos termina no versículo 8 do capítulo 16. Mas as palavras do Cristo ressuscitado aparecem nos versículos posteriores. Trata-se de um texto do século II reconhecido como inspirado e inserido no evangelho (Mc 16,9-20).

  1. “Ide pelo mundo inteiro e proclamai o Evangelho a toda criatura!” (16,15).
  2. “Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer, será condenado” (16,16).
  3. “Eis os sinais que acompanharão aqueles que crerem: expulsarão demônios em meu nome; falarão novas línguas; se pegarem em serpentes e beberem veneno mortal, não lhes fará mal algum; e quando impuserem as mãos sobre os enfermos, estes ficarão curados” (16,17-18).

 

Lucas

Segundo o evangelho de Lucas, o primeiro encontro – “aparição” – com o Cristo ressuscitado não foi na Galileia ou em Jerusalém. Tampouco foi aos Onze ou às mulheres, mas no caminho de Emaús para dois discípulos desconhecidos, sendo revelado apenas o nome de um eles: Cléofas (Lc 24,13-35).

  1. “O que andais conversando pelo caminho?” (24,17).
  2. “Que foi?” (24,19).
  3. “Como sois sem inteligência e lentos para crer em tudo o que os profetas falaram! Não era necessário que o Cristo sofresse tudo isso, para entrar em sua glória? (24,25-26).
  4. “A paz esteja convosco” (24,36).
  5. “Por que estais perturbados e por que essas dúvidas no coração? Vede minhas mãos e meus pés: sou eu mesmo! Tocai em mim e vede! Um espírito não tem carne nem ossos, como podeis ver que eu tenho” (24,38-39).
  6. “Tendes aqui alguma coisa para comer?” (24,41).
  7. “São estas as coisas que eu vos falei quando ainda estava convosco: era necessário que se cumprisse tudo o que está escrito sobre mim na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos” (24,44).
  8. “Assim está escrito: o Cristo sofrerá e ressuscitará dentre os mortos ao terceiro dia, e em seu nome será proclamado o arrependimento, para o perdão dos pecados, a todas as nações, começando por Jerusalém. Vós sois as testemunhas destas coisas. Eu enviarei sobre vós o que meu Pai prometeu. Por isso, permanecei na cidade, até que sejais revestidos da força do alto” (24,46-49).

 

Algumas observações:

– O encontro com Jesus Cristo ressuscitado é graça, é iniciativa divina. Ele vem ao encontro das discípulas (Mt 28,9), e se aproxima dos discípulos em uma montanha da Galileia (Mt 28,16). De acordo com Lucas, no primeiro encontro Jesus explica as Escrituras aos discípulos de Emaús. O segundo encontro de Jesus com os discípulos se dá em Jerusalém e começa com o dom da paz. Jesus Cristo recomenda aos discípulos de permanecerem em Jerusalém para receberem o Espírito Santo prometido.

– Em Mateus e Marcos destaca-se a palavra “todas” muito presente nos escritos paulinos (cf. Ef 1,10; Cl 1,19-20.23). Em Marcos o Ressuscitado assinala o tema Batismo/Salvação. Nota-se em Mateus e Marcos que no final das palavras de Cristo ressuscitado vem o imperativo da missão: “Ide”.

– Os cinco sinais indicados pelo Cristo em Marcos aparecem também no livro dos Atos dos Apóstolos: expulsar demônios (At 5,16; 8,7; 19,12), falar línguas (At 2,4.11), salvar-se de veneno e serpentes (At 28,3-6), curar os enfermos (At 5,16; 19,11-12).

– No evangelho de Mateus o Cristo ressuscitado afirma que estará com os discípulos todos os dias, até o fim dos tempos (Mt 28,20). Em Marcos o Senhor cooperava e confirmava a palavra dos discípulos por meio dos sinais que a acompanhavam (Mc 16,20. Segundo o evangelho de Lucas a presença será mediante o Espírito Santo. Lucas destaca a importância do testemunho – a missão – e a promessa do Espírito Santo.

– De maneira geral, percebe-se certa dificuldade dos discípulos e discípulas reconhecerem o Ressuscitado junto deles. O “milagre” não está no fato de verem o Cristo vivo na comunidade, mas de não vê-lo embora ele esteja presente no meio deles. – “Sou eu mesmo” (Lc 24,39). Observa-se uma tendência de “materializar” a ressurreição de Jesus. Os evangelistas buscam manifestar a corporeidade do Ressuscitado que convida a tocar, diz ter fome… (cf. Lc 24,41; At 1,4; 10,41).

Neste breve e singelo estudo assinalei as palavras do Cristo ressuscitado. Mas vale a pena observar e meditar sobre os gestos e os movimentos do Ressuscitado. De qualquer maneira vale adiantar que não se trata de “aparições”, mas de encontro, aproximação – “Ele está no meio de nós”.

 

Pe. Gilson Maia, RCI