A defesa da Amazônia começa com a preservação da floresta. Assim garantimos a vida dos rios, a flora, a fauna, o rico subsolo e a vida humana. Pois tudo está em relação com tudo. Nada, nem o lucro de alguns ou a hipocrisia dos países ricos,  justifica o desmatamento e as queimadas.

 

O Sínodo dos Bispos deve tornar-se cada vez mais um instrumento privilegiado de escuta do Povo de Deus: Para os Padres sinodais pedimos antes de mais nada, do Espírito Santo, o dom da escuta: escuta de Deus, até ouvir com Ele o grito do povo; escuta do povo, até respirar nele a vontade a que Deus nos chama.”[1]

 

O Papa Francisco, como todos os profetas de Deus, sempre nos surpreende pela sua fé e coragem. Depois de realizar um Sínodo sobre a família (2015) e outro sobre a juventude (2018), convocou uma nova Assembleia dos Bispos marcada para os dias 6 a 27 de outubro de 2019 em Roma. Desta vez os Padres Sinodais deverão tratar um tema da atualidade e que jamais foi afrontado pela Igreja: “Amazonas, novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral.” O Sínodo, organismo consultivo – não deliberativo – da Igreja, foi convocado pelo Papa Francisco no dia 15 de outubro de 2017, durante a Oração do Angelus no Vaticano.[2] Retomando a frase profética de São Paulo VI – “Cristo aponta para a Amazônia” – o Sínodo será um evento eclesial que refletirá sobre “o rosto amazônico da Igreja” e não um ato político ligado a uma ou a outra ideologia. São falsas algumas afirmações que circulam na mídia dizendo que o Sínodo pretende “unificar ou internacionalizar a Amazônia.” Tais afirmações são mentirosas e não correspondem à missão da Igreja.

 

A Amazônia alcança nove países. 67% da área pertence ao Brasil, 13% ao Peru, 11% a Bolívia, 6% a Colômbia e o restante ao Equador, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa. O território amazônico alcança uma área total de 7,8 milhões de quilômetros quadrados com uma população de 34 milhões de habitantes (3 milhões são indígenas).

 

Ao acolher o desejo de várias Conferências Episcopais da América Latina e de pastores e leigos de outras partes do mundo, o Papa decidiu convocar a Assembleia Sinodal para tratar da evangelização dos habitantes desta área considerada uma das maiores reservas de biodiversidade do planeta com 20% de água doce não congelada e 390 grupos étnicos com acentuadas diferenças entre si (240 línguas diferentes). Destes grupos étnicos 137 ainda não foram contatados ou preferem voluntariamente permanecerem isolados. Aliás, este é sem dúvida um dos grandes desafios que o Sínodo deverá enfrentar: como anunciar e inculturar a mensagem de Jesus sem ferir as diferentes expressões culturais e religiosas destas comunidades?

 

No Documento de Trabalho da Assembleia Sinodal – Instrumentum Laboris – elaborado por uma equipe depois de uma ampla escuta das comunidades amazônicas com suas lideranças religiosas e leigas, aparece a desafiadora temática da transmissão da fé e da ação evangelizadora da Igreja sem arranhar as culturas e superar os antigos modelos que desrespeitavam as nações indígenas.[3] No Documento do Sínodo lemos: “Na Amazônia a família foi vítima do colonialismo no passado e de um neocolonialismo no presente. A imposição de um modelo cultural ocidental inculcava um certo desprezo pelo povo e pelos costumes do território amazônico, e chegava-se a qualificá-los como “selvagens”, ou “primitivos”. Atualmente, a imposição de um modelo econômico ocidental extrativista volta a atingir as famílias, invadindo e destruindo suas terras, suas culturas e suas vidas, forçando-as a emigrar para as cidades e suas periferias.”[4]

 

O Sínodo da Amazônia terá aproximadamente 250 participantes, dos quais 61 brasileiros.[5] Estarão presentes bispos da região que compreende a Amazônia legal brasileira (Acre, Amapá, Rondônia, Roraima, Amazonas, Pará, Maranhão, Tocantins e Mato Grosso), além de outros oito países. Normalmente o Papa também convida algumas pessoas de outras áreas geográficas para enriquecer ainda mais a Assembleia do Sínodo.

 

Com ousadia e simplicidade, traços que recordam o jeito de Jesus, queremos acompanhar a Igreja espalhada pelo vasto território da Amazônia. No Instrumentum Laboris percebemos uma acentuada sensibilidade com o tema da ecologia e uma preocupação com o povo da Amazônia. Sabemos que a Amazônia não é apenas uma encantadora floresta, mas uma enorme região de riqueza incalculável sujeita a interesses estranhos ao evangelho. Claro que há vozes discordantes dentro e fora da Igreja não apenas sobre o conteúdo do Instrumento de Trabalho, mas até mesmo sobre o tema do Sínodo e o fato do Papa Francisco optar por uma Igreja Sinodal em saída missionária. Não podemos esquecer que este Sínodo é fruto da encíclica “Laudato si” que não é uma encíclica verde, mas um documento social atento à proteção da Criação datado no dia 24 de maio de 2015, Solenidade de Pentecostes, e publicada aos 18 de junho de 2016.[6]

 

Dentre tantas questões o Sínodo deverá afrontar aquela das vocações, dos agentes da evangelização e as diferentes formas de evangelizar nesta área tão rica e cobiçada. Ao tratar o tema das vocações e dos ministérios o Documento de Trabalho chama a atenção para a necessidade de promover as vocações autóctones de homens e mulheres e suas contribuições decisivas para uma Igreja que não apenas visita, mas deseja permanecer, conhecer profundamente a cultura e a língua. Também sugere a ordenação sacerdotal de homens maduros – viri probati – de “preferência indígenas, respeitadas e reconhecidas por sua comunidade, mesmo que já tenham uma família constituída e estável, com a finalidade de assegurar os Sacramentos que acompanhem e sustentem a vida cristã” das comunidades mais remotas da região e destaca o importante papel dos leigos, especialmente das mulheres e dos jovens.[7]

 

Inspirando-se no apóstolo Paulo, que depois de anunciar Jesus Cristo aos pagãos, confiava à Igreja nascente os cuidados da própria comunidade formada pelos gentios convertidos, os quais levavam adiante a missão em plena comunhão com a Igreja de Jerusalém, o Sínodo para a Amazônia será uma singular ocasião para aprofundar e promover o rosto indígena da Igreja. Os indígenas são os guardiões da Amazônia. [8]

 

Vale a pena ler, interiorizar e rezar o Instrumentum Laboris que ao longo da Assembleia dos Bispos será debatido, enriquecido e transformado no documento final do Sínodo. Após todo este processo participativo o documento sinodal será encaminhado ao Papa e servirá de base para a elaboração de uma exortação sobre o tema. De nossa parte, que conhecemos a Amazônia apenas da janelinha do avião, vista das muitas idas e vindas aos países da região, e quase nada da vida concreta das comunidades da floresta, vamos acompanhar com amor e fé solidária esta missão eclesial. Permanece nossa oração pelo bom êxito do Sínodo e a comunhão com o povo de Deus na Amazônia e ao Papa Francisco, apóstolo fiel, humilde e corajoso de Jesus Cristo.

 

 

[1] FRANCISCO, Constituição Apostólica Episcopalis Communio, n. 6.

[2]Cf.http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/angelus/2017/documents/papafrancesco_angelus_20171015.html

[3] No site da Santa Sé encontramos o Documento de Trabalho do Sínodo em vários idiomas. Confira: http://www.sinodoamazonico.va/content/sinodoamazonico/pt.html

[4] Cf. Documento de Trabalho – Instrumentum Laboris, n. 76.

[5] O arcebispo emérito de São Paulo, o franciscano D. Cláudio Hummes será o relator geral da Assembleia Sinodal. Dom Cláudio foi Bispo em Santo André-SP (1975), Arcebispo de Fortaleza-CE (1996) e de São Paulo-SP (1998). Em 2001 foi chamado pelo Papa João Paulo II para ser Cardeal da Igreja.

[6] Cf.http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papafrancesco_20150524_enciclica-laudato-si.html

[7] Cf. Instrumentum Laboris, n. 129.

[8] Cf. HUMMES, Cláudio, O Sínodo para a Amazônia, São Paulo, 2019 (cap. 11).