Dentre os personagens que encontramos nos textos bíblicos da semana santa, está o fariseu Nicodemos, uma notável autoridade de Israel, e José de Arimateia, outro respeitável membro do Sinédrio, o tribunal formado pelos magistrados do povo judeu que sentenciou Jesus à pena de morte numa sessão noturna (cf. Mc 14,64). Se o primeiro reconheceu Jesus como Rabi – Mestre – e foi encontrá-lo à noite, ou seja, às escondidas, o segundo teve a coragem de arriscar-se ou despertar suspeitas ao usar de sua posição social e prestígio para pedir a Pilatos, governador daquela província romana, o corpo de Jesus morto na cruz (cf. Jo 3,1-15; Mc 15,43-47).

Nicodemos, nome de origem grega que significa “vitória do povo”, também era membro do Sinédrio e ajudou José, da cidade de Arimateia, distante a uns 30 quilômetros de Jerusalém, a sepultar Jesus (cf. Jo 19,38-42). José de Arimateia era proprietário de uma frota de navios e tinha um túmulo novo situado em um jardim (cf. Mt 27,57; Jo 19,41). Ambos cuidaram do sepultamento de Jesus entregue pelo Sinédrio – do qual faziam parte – a Pilatos condenando-o a morte (cf. Mt 15,1; Mc 14,64). Nota-se que naquela época, segundo o costume romano, os corpos dos condenados mortos na cruz não eram sepultados, mas jogados em um lugar à parte, devorados pelos pássaros, cães e outros animais. De outra parte, para os judeus o sepultamento era visto como um dever sagrado que não se negava nem aos inimigos (cf. Tb 1,17-19; 2,3-7; 2Sm 21,12-14).

Segundo o evangelho de Marcos, José de Arimateia esperava o reino de Deus (cf. Mc 15,43), enquanto os evangelistas Mateus e João informam que ele era discípulo de Jesus em segredo (cf. Mt 27,57; Jo 19,38). Neste caso, assim como aconteceu com João Batista, que após a morte na prisão foi sepultado por seus discípulos (cf. Mc 6,29), também Jesus foi sepultado por seus discípulos após a morte na cruz, tendo o corpo envolto em um lençol de linho com perfumes e conhecido na atualidade como santo Sudário (cf. Jo 19,40). O evangelho de Lucas informa que José de Arimateia era um homem bom e justo (cf. Lc 23,50). Observa-se o zelo deste judeu de sepultar Jesus ainda na sexta-feira, antes do sagrado dia de sábado – a páscoa, principal festa judaica.

Nota-se que os evangelhos não detalham se José de Arimateia e Nicodemos foram ajudados por outras pessoas que estariam a serviço destes ilustres membros do Sinédrio para tirar o corpo de Jesus da cruz, preparar os lençóis e perfumes, além de mover a grande pedra que fechava o sepulcro impedindo o acesso de animais e ladrões.

Nicodemos, doutor da lei e mestre de Israel, é citado apenas no quarto evangelho que atribuímos a João, um dos doze apóstolos de Jesus (cf. Jo 3,1-21; 7,50; 19,39). Uma antiga tradição afirma que Nicodemos se tornou cristão, foi expulso do Sinédrio e batizado por Pedro. No final do primeiro século ele recebeu a coroa do martírio. Um texto apócrifo, conhecido como evangelho de Nicodemos ou Atos de Pilatos (século V), faz referências a este piedoso judeu e narra a paixão e morte de Cristo. Na segunda parte desta obra, o autor descreve a descida de Cristo ao inferno, explicando como é terrível esse lugar e o que aconteceu nos três dias que o Senhor ficou sepultado.

As fontes dos evangelhos – tradição sinótica e quarto Evangelho – com diferentes informações e detalhes que se complementam nos oferece várias informações sobre estes dois seguidores de Jesus que foram “cristianizados” pela tradição. Percebe-se, também, que o Sinédrio não foi, ao menos no início do processo, unanime em sentenciar Jesus à morte. Pois certamente houve discordância da parte de Nicodemos e José de Arimateia, “discípulos secretos” de Jesus (cf. Lc 23,51).

Segundo a tradição, o rico José de Arimateia usou sua fortuna em benefício das comunidades cristãs e das viagens dos missionários, sendo, ele também, um missionário do Senhor. A festa litúrgica de São José de Arimateia, no Ocidente, é no dia 17 de março e a de São Nicodemos, no dia 3 de agosto. Ambos nos ensinam a superar o medo e a assumir o compromisso da fé em Jesus Cristo morto e ressuscitado.

Pe. Gilson Luiz Maia, RCI