O vocabulário e o estilo dos últimos versículos do evangelho de Marcos, escrito por volta dos anos 70 d. C., é notavelmente diferente do resto da obra. De acordo com os especialistas, o evangelho de Marcos termina no v.8 assinalando o medo das mulheres, que assustadas fugiram do túmulo após encontrarem um jovem. Este pediu a elas de contar a Pedro e aos outros discípulos que Jesus ressuscitou e os precede na Galileia, lugar do primeiro encontro e chamado (cf. Mc 1,16-20). Assim sendo, o evangelho de Marcos tem um final inesperado e permanece aberto para que cada leitor possa elaborar a sua própria conclusão, dar o passo da fé na ressurreição do Senhor e a consequente responsabilidade da missão. Os biblistas afirmam que os versículos seguintes (vv. 9-20) são uma adjunta escrita pela comunidade. Este acréscimo, escrito no final do primeiro século ou início do segundo século, de maneira resumida, apresenta a ressurreição de Jesus e a missão dos seus discípulos. Estes últimos versículos do evangelho manifestam a fé e a experiência da comunidade no Cristo ressuscitado, que mediante os discípulos prolonga a sua missão no mundo. Quem escreveu este final diferente para o evangelho de Marcos tinha como objetivo deixar mais claro o papel dos discípulos e, portanto, da própria comunidade – a Igreja. Esta caminha na certeza da presença do Cristo ressuscitado junto dela e seu mandato missionário (cf. Mc 16,15).

Considerados como um complemento canônico do evangelho de Marcos, esses últimos versículos não aparecem em importantes manuscritos como o Codex Sinaiticus e o Codex Vaticanus. Todavia, alguns Padres da Igreja como Justino (150 d.C.) e Irineu (180 d.C.) citaram tais versículos em suas reflexões. Isso indica que tais versículos já eram conhecidos antes da composição dos manuscritos gregos: Sinaítico e do Vaticano (sec. IV). Observa-se, porém, que esses versículos aparecem no restante dos manuscritos gregos e na maioria das versões latinas do Novo Testamento.

Vamos apresentar esses versículos divididos em três partes o que nos ajuda a perceber a acentuada ressonância deles nos outros evangelhos. Uma leitura atenta desta adjunta final da obra de Marcos (cf. Mc 16,9-20), nos permite concluir que ela foi escrita por uma pessoa que conhecia muito bem os dois volumes de Lucas (evangelho e atos dos Apóstolos), o evangelho de João e também o texto de Mateus.

I Parte: As aparições de Jesus (vv. 9-14)

9 Ressuscitado na madrugada do primeiro dia depois do sábado, Jesus apareceu primeiro a Maria Madalena, de quem tinha expulsado sete demônios. 10 Ela foi anunciar o fato aos seguidores de Jesus, que estavam de luto e choravam. 11 Quando ouviram que ele estava vivo e tinha sido visto por ela, não acreditaram. 12 Depois disso, Jesus apareceu a dois deles, sob outra aparência, enquanto estavam indo para o campo. 13 Eles contaram aos outros. Também não acreditaram nesses dois. 14 Por fim, Jesus apareceu aos onze discípulos, enquanto estavam comendo. Ele os criticou pela falta de fé e pela dureza de coração, porque não tinham acreditado naqueles que o tinham visto ressuscitado.

II Parte: A missão e os sinais que a acompanham (vv. 15-18)

15 E disse-lhes: “Ide pelo mundo inteiro e anunciai a Boa-Nova a toda criatura! 16 Quem crer e for batizado será salvo. Quem não crer será condenado. 17 Eis os sinais que acompanharão aqueles que crerem: expulsarão demônios em meu nome; falarão novas línguas; 18 se pegarem em serpentes e beberem veneno mortal, não lhes fará mal algum; e quando impuserem as mãos sobre os doentes, estes ficarão curados”.

III Parte: Jesus é elevado ao céu e os discípulos prolongam a sua missão (vv. 19-20)

19 Depois de falar com os discípulos, o Senhor Jesus foi elevado ao céu e sentou-se à direita de Deus. 20 Então, os discípulos foram anunciar a Boa Nova por toda parte. O Senhor os ajudava e confirmava sua palavra pelos sinais que a acompanhavam.

Na primeira parte vemos a aparição do Cristo ressuscitado a Maria de Magdala na madrugada do primeiro dia da semana, conforme encontramos no quarto evangelho (cf. Jo 20,1-18; cf. também Mt 28,9ss). O autor também recorda que Maria Madalena foi libertada de sete demônios por Jesus como lemos em Lucas (cf. Lc 8,2). Depois relembra outra cena do evangelho de Lucas conhecida como a aparição do Ressuscitado aos discípulos de Emaús (cf. Lc 24,13-51) e posteriormente aos Onze (cf. Jo 20,19-23). Observa-se ainda a crítica de Jesus ressuscitado à falta de fé dos discípulos. Esse fato nos lembra o episódio da incredulidade de Tomé, cena exclusiva do evangelho de João. Nesta primeira parte percebe-se claramente a sequência de alusões sintéticas às aparições de Cristo ressuscitado segundo os demais evangelistas.

A segunda parte começa com o imperativo missionário que aparece no final do evangelho de Mateus (cf. Mt 28,19-20). Em seguida fala dos sinais que acompanhavam os discípulos de Jesus. Ao tratar de sinais e não de milagres o texto assemelha-se ao quarto evangelho onde Jesus realiza sete sinais (cf. Jo 2,1-11; 4,46-54; 5,1-18; 6,1-15; 6,16-21; 9,1-12; 11,1-45). Os cinco sinais indicados por Jesus Cristo segundo Marcos aparecem também no livro dos Atos dos Apóstolos: expulsar demônios (cf. At 5,16; 8,7; 19,12), falar línguas (cf. At 2,4.11), salvar-se de veneno e serpentes (cf. At 28,3-6), curar os enfermos (cf. At 5,16; 19,11-12). Nos evangelhos de Mateus e Lucas também encontramos o tema do cumprimento desses sinais que acompanham os seguidores de Jesus (cf. Mt 10,1; Lc 10,17-18; Veja também  Hb 2,3-4).

A última parte menciona a Ascenção do Senhor presente no final do evangelho de Lucas e no início dos Atos dos Apóstolos (Lc 24,50-53; At 1,9-11). Cabe agora aos discípulos prolongarem a missão com a certeza que Jesus Cristo ressuscitado está no meio de nós e por nosso intermédio atua no mundo. Percebe-se que no evangelho de Marcos a Ascensão coincide com a missão, que passa de Jesus a seus discípulos e alcança cada um de nós assistidos pelo Ressuscitado que nos acompanha e confirma no caminho da fé.