Os estudiosos hebreus costumam dizer que cada passagem da Bíblia, com sua densidade inegável, tem quarenta e nove interpretações, o que equivale a sete vezes sete, um número que aponta para o infinito. Sabemos que não há uma leitura exclusiva da Bíblia, muito menos uma hermenêutica pura. O que encontramos são leituras de uma palavra “aberta” que é sempre redescoberta no horizonte da história. Os Escritos de Santo Aníbal, com constantes referências às Sagradas Escrituras, confirmam o ditado dos exegetas judeus e mostram a excelência da formação bíblica do apóstolo das vocações.

A leitura atenta dos Escritos nos coloca nos passos de Santo Aníbal o qual entendeu que Paulo, autor de sete Cartas  (1Ts, 1 e 2 Cor, Rm, Gal, Fil, Fm) e de muitos outros textos do Novo Testamento dedicados a ele, não é apenas um ex-militante do judaísmo convertido à fé cristã e fundador de muitas comunidades. Pe. Aníbal sabia que o “Evangelho” de Paulo não pode ser reduzido a um corpo doutrinário e faz de todo o epistolário paulino uma verdadeira referência para a sua vida. Nos Escritos o Padre cita entorno de 420 vezes a sete cartas “originais” de Paulo e isso comprova o seu imenso amor pela Palavra e sua vasta cultura bíblica.

A formação filosófica e teológica de Santo Aníbal coincide com a gênese da exegese científica que se desenvolveu a partir do século XVIII com o Iluminismo. Ele não era um leitor piedoso da Bíblia, que por acaso leu e se identificou com as perícopes carismáticas do Rogate nos Evangelhos de Mateus e Lucas (Mt 9, 35-38, Lc 10,2). Seus Escritos, com uma forte densidade teológica, revelam um vasto conhecimento da Escritura e, de maneira especial, do epistolário do Novo Testamento.

Santo Aníbal não foi um biblista no sentido moderno do termo, não publicou nenhuma tese sobre as cartas de Paulo, nem participou de aulas no Instituto Bíblico de Roma fundado por Pio X em 1909, período em que o fundador dos Rogacionistas se dedicou à reconstrução de sua obras em Messina destruídas um ano antes pelo trágico terremoto. Mas é inegável que Santo Aníbal transitou com fé, simplicidade e segurança através das páginas da Bíblia. Desde a realidade de Messina, e particularmente do bairro de Avinhão, nos arredores da cidade, ele lia, meditava e rezava os textos sagrados.

Tal exercício não era apenas um costume piedoso de um sacerdote, imerso nos problemas sociais que afligiam os pobres de sua terra, mas ele encontrava, sabe Deus como, tempo para meditar as Sagradas Escrituras e fez isso com amor, competência e profundidade. Reconhecemos que Santo Aníbal rezou os escritos do “Apóstolo dos gentios”, e na meditação ele escavou o pensamento teológico daquele que é, sem dúvida, o maior teólogo do cristianismo.

A leitura dos Escritos nos ajuda a compreender que em nenhum momento de seu caminho spiritual, Santo deixou de referir-se à Bíblia como uma palavra inspirada, revelação divina em forma literária. Tampouco reduziu a Sagrada Escritura a um romance deixado sobre o criado mudo perto da cabeceira da cama para distrair a mente ou embalar o coração Ele sabia que este epistolário ocupa um lugar relevante no caminho que leva à maturidade espiritual; que nutria diariamente na mesa da Palavra e do pão, a Eucaristia. O Padre era um verdadeiro servo da Palavra, refletindo-a partir da realidade de sua vida dedicada aos pobres, na qual ele identificou a messe madura de Deus na expectativa dos bons operários e operárias: o Rogate!

Santo Aníbal lia a Sagrada Escritura desde a realidade em que ele colocava seus pés e toda a sua vida. A leitura e a meditação bíblica do Padre vem da sua atividade pastoral com os pobres de Avinhão e de sua experiência profunda como discípulo do Cristo do Rogate. Se nota em seus Escritos, tanto em quantidade como em qualidade, que ele era um especialista nas cartas de Paulo, que é um modelo de adesão incondicional a Jesus Cristo e de zelo missionário. Santo Aníbal se aproxima de Paulo com a certeza de que o Apóstolo é um gigante na fé, testemunha do Crucificado-Ressuscitado e protótipo de uma pessoa consagrada à causa do Evangelho. Paulo foi uma inspiração para o Padre, um exemplo de seguidor de Jesus, protagonista de uma profunda conversão, depois de encontrá-lo na estrada para Damasco (Cf. Atos 9: 1-19, 22: 31-21: 26,9- 18).

Pe. Gilson Luiz Maia, RCI